domingo, 11 de julho de 2010

Todos os dias morre um amor


No espelho havia uma despedida mal escrita de batom
Com letras vulgares e hálito recente de álcool
Os pensamentos dele voaram para memórias torturantes de uma vida feliz
E buscando lógica, dialogou com o amigo imaginário de sempre, na mais perfeita razão.
-Sabe, o amor deveria ter seguro. Ou multa para rescisão de contrato.
-O que fazer agora com as lembranças, o cheiro, o sabor? Guardar no armário e sentar em cima para conseguir fechar?
Sem conseguir resposta ou conselho do amigo que o seu próprio cérebro implantara ali, procurou olfativamente garrafas de um drink forte para lhe acalmar a alma.
Passar de algumas horas acompanhado do conhaque, viu uma silhueta negra. Algo bem vestido e sombrio se aproximava e suas pernas bambas eram incapazes de se mover.
-Quem é você?
Gritava ilogicamente sem obter resposta alguma.
-O que quer de mim? Tem dinheiro no cofre do quarto ao lado.
-Vim para lhe roubar algo muito mais valioso que qualquer dinheiro guardado aqui.
A voz era suave e parecia estalar no fim de cada palavra, provocando cócegas nos ouvidos.
-Leve o que quiser, minha alma se for preciso. Mas tire essa dor que corrói meus órgãos lentamente e me sufoca, ou a faça voltar, faça alguma coisa.
-Não suplique em vão. Vim tirar sua felicidade, sua força de lutar, sua vontade de viver. Não fique de joelhos agora, terá a vida toda pela frente para fazê-lo.
O ser sombrio simplesmente desapareceu, junto com a embriaguez do rapaz.
Ao acordar percebeu que adorava sua cama macia e o cheiro de flores que vinha da janela semi aberta. Adorava o céu azul que lhe brindava todas as manhãs. Transbordava de felicidade pelas aves estridentes no jardim. Percebeu enfim, quanto amor havia deixado morrer sem sequer notar. Pegou então um lenço de papel lilás, um pouco de creme de barbear e escreveu com a ponta dos dedos:
“Pode ficar aqui, estou indo embora. Não te amo mais.”
Pendurou o papel na porta da frente e se foi pela rua apenas de calção e chinelo de dedos.
Todos os dias morre um amor.

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